Liguei o toca discos. Na agulha, The Marcels soava aos meus ouvidos Blue
Moon. A janela aberta com a brisa acariciando o meu rosto me fez balancear pela
sala escura. O reflexo da lua sobre a taça de vinho, o silêncio da madrugada, e
o frio, que sempre me serviu de inspiração para os escritos.
A velha máquina de escrever doada pela minha bisavó e passada de geração
a geração chegou a minhas mãos ano passado. Ela me dava à sensação de
satisfação e prazer por escrever. Não sei se pelo barulho das teclas ou apenas
por visualizar o texto sendo produzido e criando vida no papel. Nunca a trocara
por nenhum computador, apesar de ter que redigitar todo o texto depois de
pronto. O trabalho era árduo, mas recompensado.
A lanterninha de cabeceira, posta bem ao lado da máquina, iluminava apenas
as letras que eu ia lapidando até as transformar em frases, parágrafos e
capítulos. A cadeira, com um acolchoado confortável, era apropriada para mim,
que passava horas e horas rascunhando, fazendo bolinhas de papel e jogando-as
no lixo até conseguir um texto que considerasse pelo menos digno de uma
revisão. Sentei-me ali, e comecei o meu trabalho: Escrever.
Há quem julgue ser um trabalho simples, sem maiores complicações. Só
quem escreve de fato, sabe como é difícil fazer uma ideia ser expressa de
forma clara e objetiva para o leitor.
O escritor é um verdadeiro malabarista das palavras. O malabarista tem
que usar de artifícios para que seu espetáculo não saia de cena. Da mesma
forma, o escritor não pode deixar que seu texto perca o sentido de
existir.
Ali, meus pensamentos viajaram. Quando dei por mim, minhas mãos
trabalhavam na intensidade da ideia que pretendia expor. A inspiração e o
barulho das teclas foram me encorajando.
Já era manhã, o sol despertava a cidade adormecida. Os raios já
iluminavam as janelas do quarto.
Caminhei até a cozinha, fiz um café esperto, sentei-me na varanda e me
deixei invadir pela cafeína. Uma ducha, uma torrada velha e um gosto de creme
dental. Peguei o texto da madrugada passada e o levei para a redação.
À noite, após mais um dia de trabalho no jornal, a máquina de
escrever da minha bisavó me esperaria junto com o velho blues e aquela taça de
vinho para mais uma noite de espetáculo junto á lua e o silêncio.
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